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"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino."

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Futuro é Ilusão?


Estou com vontade de te dizer algo que não sei se já te disseram. Todos nós deficientes passamos um momento na vida em que questionamos nossa deficiência: porque foi que tudo aconteceu? Porque teve de acontecer conosco? Quando nossa deficiência é adquirida durante ou depois da adolescência, ainda nos perguntamos porque nossos amigos "fugiram" de nós, que relacionamento teremos com as pessoas, conosco, com o mundo, com a vida? O desconhecido aparece diante de nós com futuros desiguais antecedendo mil destinos diferentes. A dor junta-se às pequenas vitórias, alegrias às frustrações e tudo parece estar incompleto!

Você pode até pensar que é engraçada essa comparação, mas foi justamente o que senti quando perdi minha visão e tornei-me social e objetivamente cego. Lembro-me quando aos 11 anos fiz operação de fimose, depois de pronta - eu ainda enxergava pois só perdi a visão aos 21 anos - eu olhava para o meu pênis e achava tudo estranho. Não era mais ele, era outro!!! Cheguei a falar com meu pai chorando que queria o meu antigo de volta, aquele era um "diferente". Aos poucos fui me acostumando ao novo companheiro e, graças à Deus, até utilizando bem o danado.

O tempo passa e acostumamo-nos a nós mesmos. Aos poucos recomeçamos a nos amar e a nos mostrar para que reconheçam o porque nos amamos, apesar dos defeitos pessoais que temos. Hoje em dia eu me sinto especial, não só porque sou diabético, cego ou transplantado renal. Não sou especial também só porque tenha passado por grandes dores e lutas mas porque soube transformá-las em crescimento, em experiência aproveitável para mim e para outros. Passei por muitas, tive que descobrir e redescobrir muitas verdades, fazer e desfazer conceitos e sentimentos. Acabamos por entender, sem querer repetir alguma frase feita mas simplesmente minha vivência, que chegamos ao nosso fundo de poço quando paramos de cavar! Mas, existe a hora que cavar é o caminho até que reconheçamos que é hora de começar a reconstrução.

Sei perfeitamente o que foi dar meus primeiros passos com minha bengala no mesmo quarteirão em que passei o final de minha infância brincando, minha adolescência crescendo a enxergar, onde todos passaram a me olhar com pena e admiração por minha coragem e ousadia de estar andando agora ali enfrentando aquele meu novo "eu de bengala". Sei de todos os medos que senti, de todas as dores que me sangravam o futuro e de como ele parecia misterioso e negativo.

Mas o futuro é ilusão e hoje vivo apaixonado pela vida. Gozo a vida porque ela é deliciosa e sei disso porque estive algumas vezes acompanhado da morte em hospitais sem fim, nas poltronas de hemodiálise, em minha casa dormindo comigo e me acompanhando ao trabalho. Isso não é um texto lírico, foi real. É forte, é vida, é confusão, é carnaval e é o ano que passa após outro ano nos dizendo que continuamos e, se continuamos, temos de fazer o melhor sem sacrifícios nem exigências extremas para termos prazer, amarmos, sentirmos o sorriso brotar porque estamos felizes nessa troca sincera com a vida.

Hoje sou um homem casado, pai, ajudo no sustento de minha família com o fruto de meu trabalho, tenho amigos e divirto-me. Tenho também problemas e tristezas como qualquer pessoa, apesar de alguns problemas a mais. Nunca imaginei ser o que sou nem ter o que tenho, mas aquele futuro chegou e outros virão. Gosto do meu presente, do meu agora.

Não penso em nada disso em meu dia a dia, mas esse foi o resultado de tudo: gosto de mim, da vida, de existir, de amar e se vivo não é porque penso tudo isso, mas porque o sinto em moção, em movimento dentro de mim. Todos esses afetos inconscientes me fazem olhar para trás, para aquele passado de um futuro incerto, apenas como uma lição para mim mesmo, como base de minha força, meu querer e muito do meu viver.

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